A Lista Amarela é Meio Kasher?
Ouvimos bastante nas ruas os comentários:
"A lista amarela é meio kasher", "a lista amarela é 'meia boca'", "a lista amarela é para quem não come kasher mesmo".
Mas será que esses comentários têm em que se basearem?
Neste artigo explicaremos quais as diferenças entre a lista verde e a lista amarela, esclarecendo também por quais motivos uma pessoa opta por consumir apenas da lista verde.
Em princípio, é importante deixar bem claro: no judaísmo não há meio termo: ou algo é kasher ou não é kasher. Não existe meio kasher, pois meio kasher é o mesmo que não kasher. A lista amarela é kasher. Na lista verde há alguns rigores que abaixo explicaremos melhor.
O motivo da existência de duas listas é para facilitar ao público que quer ser mais rigoroso - pelos motivos que citaremos - e poder assim reconhecer quais alimentos são considerados "mehadrin" (da palavra hidur, embelezamento, capricho). A vantagem deste tipo de divisão é facilitar a distinção entre o que é simplesmente kasher e o que é kasher com rigores, pois, cada vez mais, há pessoas procurando caprichar mais e mais nas mitsvot, tanto em kashrut, quanto em outros preceitos como mezuzá, tefilin, os quatro espécimes de sucot, tsedaká, etc...
Há três diferenças principais entre a lista verde e amarela. Na lista amarela figuram alimentos que podem:
- Conter algum bitul (anulação)
- Conter leite comum - chalav stam
- Ser Pat Palter (pão, bolo ou outra massa assadas por um não judeu, de modo industrial)
Na lista verde não há nenhum produto que contenha uma destas propriedades.
BITUL - ANULAÇÂO
A Torá diz que quando um alimento proibido cai sem querer dentro de um alimento permitido e há 60 vezes mais alimento permitido do que o proibido - é permitido ingerir o alimento permitido. Isto, contanto que não seja perceptível o alimento proibido no alimento permitido (Seja sabor, textura, aparência ou parte ativa no resultado desejado). O mesmo vale para dois produtos permitidos que a Torá proíba misturá-los. Se um cair no outro, mas tiver 60 vezes mais do outro - poderá ser ingerido nas mesmas condições citadas acima.
Por exemplo: se uma gota de leite cair numa panela cheia de carne (mesmo quente) e tiver 60 vezes mais carne do que a gota de leite, esta carne poderá ser ingerida, ou seja, a gota de leite se anulou em pelo menos 60 vezes mais do que o próprio leite. Contudo, se um coalho não kasher for usado para talhar um queijo - por mais que haja 60 vezes mais leite do que o coalho, uma vez que este proporciona o resultado desejado - será proibido ingerir o queijo, mesmo se o coalho caiu acidentalmente na panela de leite.
A Halachá (lei) é muito clara, que todo este conceito de anulação é permitido se ocorreu acidentalmente. Portanto, é proibido fritar um bife com apenas 1/61 de margarina - pois neste caso a pessoa está misturando propositadamente. Da mesma forma, é proibido um não judeu fazer propositadamente para um judeu uma mistura em proporção de 1:60.
Há uma divergência entre os Rishonim (Sábios que viveram entre os séculos XI e XV) qual é o status de uma mistura de 1:60 feito por um não judeu para ele mesmo ou para outro não judeu e um judeu compra esta mistura. A maioria dos Rishonim sustenta que não há problema algum o judeu comprar esta mistura de 1:60, uma vez que a anulação não foi feita para o judeu. Se fosse feita para um judeu, seria proibido usar. Mas, uma vez que não fora feito para o judeu, pode-se utilizar, e é considerada uma mistura feita "sem querer" ou acidental.
Contudo, o Radvaz (Rabi David ben Zimra - Séc XVI, Egito) sustenta que para um não judeu não vigoram estas leis de anulação. Sendo assim, é como se ambos os produtos não se misturaram ainda - e quando o judeu adquire este alimento, a anulação acontece. Isto porque para o judeu vigora esta lei de anulação. Neste caso, ao comprar o alimento, o judeu estaria fazendo uma anulação propositada e premeditada - sendo proibido consumir a mistura.
Há ainda mais uma divergência. Quando um componente faz parte da receita, será que ele se anula em 60 vezes ou uma vez que este faz parte da receita - jamais se anulará? O Rashbá (Rav Shelomo ben Aderet - Séc XIII, Espanha) sustenta que se o ingrediente que foi adicionado por um não judeu, faz parte integral da receita, este não se anula; por conseguinte, é proibido ingerir este alimento.
A lei - em ambos os casos - é como a maioria, ou seja, se um ingrediente que faz parte da formulação foi misturado por um não judeu para não judeus comerem fica anulado. Assim também, quando o judeu compra esta mistura, os eventuais ingredientes são considerados anulados - podendo ingerir estes produtos.
Ainda assim, há pessoas que querem ser mais rigorosas e procuram seguir estas opiniões, preferindo não ingerir um alimento que contenha este tipo de anulação.
Há ainda outros casos nas empresas que podem conter anulações:
a) Linhas que além do produto kasher, produzem alimentos que contenham algum componente não kasher. Estes produtos deixam a linha "contaminada" pela anulação e o status "mehadrin" pode estar comprometido.
b) O sistema de cozimento das fábricas funciona com água quente ou vapor que passa em paredes duplas de grandes tanques. Esta água absorve o sabor do que está sendo cozido dentro dos tanques. Esta água que passa nas paredes dos tanques, após aquecer os tanques, volta à caldeira que a reaquece e assim estabelece um ciclo. Esta água pode estar contaminada por produtos não kasher de outros equipamentos e, por sua vez, contaminar o produto que poderia ser kasher. Às vezes pode haver alguma anulação neste processo e o caso deve ser verificado se pode ser classificado como "mehadrin".
CHALAV STAM
Leite de animais permitidos que foi ordenhado por um não-judeu sem a supervisão de um judeu é proibido, porque suspeitamos que possam ter misturado nele leite de animais proibidos. Portanto, a ordenha deve ser supervisionada por um judeu desde o início e, até mesmo, os recipientes onde será colocado o leite devem ser verificados se estão vazios e limpos.
Se no lugar da ordenha encontram-se apenas animais permitidos, não é necessário que o supervisor veja a ordenha, sendo suficiente estar do lado de fora para certificar-se de que não entrem no lugar animais proibidos.
Se no lugar da ordenha encontram-se também animais proibidos, o supervisor deverá ver toda a ordenha, para ter certeza de que não houve mistura. No caso de o leite estar sendo ordenhado para judeus, se o não judeu está ciente de que não podemos ingerir leite de animais proibidos e sabe que está sendo vigiado, não é necessário que o supervisor observe toda a ordenha, pois o não judeu temerá ser visto misturando algo proibido. Neste caso, bastará que o supervisor se encontre num lugar de onde possa observar a ordenha quando desejar ou entre e saia do local da ordenha de forma imprevisível.
Qualquer judeu confiável pode supervisionar a ordenha, inclusive crianças, desde que sejam capazes de perceber se alguém mistura algo proibido no leite, porque isto já intimida quem desejar fazê-lo. Este seria o Chalav Yisrael tradicional, e o que as supervisões chamam de Chalav Yisrael.
Como hoje em dia costumamos comprar leite e derivados produzidos de forma industrial, existe a possibilidade, de que o leite ordenhado pelos não-judeus seja permitido. Isso devido ao fato de haver fiscalização externa e multas aos transgressores que declarem estar ordenhando leite de vaca e ordenharem leite de outro animal.
Graças a isso, há opiniões que permitem este leite, pois isso se assemelha à fiscalização de um judeu que tem a finalidade de intimidar o não-judeu para que não misture leite proibido no leite permitido. Outras opiniões proíbem este leite de qualquer forma, e só permitem quando houver fiscalização de um judeu, mesmo havendo absoluta certeza de que não há mistura alguma.
Portanto, muitos costumam evitar este leite, a não ser em caso de necessidade como para crianças ou doentes, ou para pessoas que moram em lugares onde não se encontra leite ordenhado por judeus.
Para os que o permite, este leite é considerado Chalav Yisrael, porém como tem aqueles que não o consideram Chalav Yisrael, foi criado um novo nome para classificar este tipo de leite: "Chalav Stam", para que os consumidores saibam identificá-lo e não ocorram confusões.
Leite em pó obtido a partir de leite ordenhado por não judeus sem a devida fiscalização, há quem permita e há quem proíba. Se levarmos em consideração o que foi dito nos parágrafos anteriores, é mais fácil hoje em dia permitir o leite em pó, principalmente em caso de necessidade. Contudo, devemos checar se o equipamento onde o leite é transformado em pó não apresenta problemas de Kashrut.
Baseado nisto, na lista amarela há produtos com leite, seus derivados e leite em pó sem supervisão desde a ordenha, uma vez que há um controle do governo e das próprias empresas que garantem que o leite não foi alterado.
PAT PALTER
O pão é o alimento básico do ser humano e assim o foi durante o decorrer da história. Por sua importância, ele também causa proximidade entre as pessoas, tanto em refeições conjuntas como em seu preparo e aquisição.
Nossos sábios temeram que, ao comer o pão dos não-judeus, venhamos a criar maior intimidade e, consequentemente, praticar idolatria. Portanto, proibiram o pão do não-judeu. Esta proibição foi decretada mesmo sobre o pão de um não-judeu que não tem filhos ou que não pratica idolatria. O pão só fica proibido quando foi assado completamente pelo não-judeu, porém, se o judeu participou do processo, este não se torna proibido, como veremos mais adiante.
Embora o pão assado por um não-judeu seja proibido, quando não há padeiros judeus, o pão de padarias, mesmo de não-judeus, passa a ser permitido, por ser um momento de necessidade e por ser o pão um alimento essencial. Este pão é denominado "Pat Palter" (Pão de Padeiro).
Se este padeiro usa ingredientes proibidos, como banha, mesmo em outras misturas, seu pão é proibido, pois é muito difícil que não haja contaminação.
Há quem permita, aos ashkenazim, mesmo quando há padeiro judeu, comprar pão de padeiro não-judeu, contanto que todos seus ingredientes sejam permitidos. Contudo, há quem proíba, no caso de haver um padeiro judeu.
Nos dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, costuma-se não comer pão de padeiro não-judeu, mesmo quem, durante o ano, costuma consumir este tipo de pão.
Pão caseiro assado por um não-judeu é proibido, mesmo quando não há padeiro judeu, pois se comer o pão dele, acabará comendo toda a refeição com ele, criando assim grande intimidade.
Há quem diga que, mesmo se temos pão feito por judeus, se o pão que é feito pelo padeiro não-judeu é melhor, ou de outro tipo, é permitido para todos, pois para este tipo de pão, é como se não houvesse padeiro judeu.
Há lugares onde há padeiro judeu, porém sua produção é pequena e a população judaica é grande. Se todos comprarem do pão do judeu, ele será insuficiente e isto provocará um aumento no preço do pão. Neste caso, o Pat Palter passa a ser permitido.
O ideal é não comer pão de não-judeus - "Palter" (de padaria) - e assim costumam as pessoas mais zelosas. Principalmente, nos "Shabatot" e nos dez dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur.
Quem é zeloso e não come pão de não-judeus, mesmo de padaria, se estiver em algum lugar que não haja pão feito por judeus nas proximidades de 3840 metros, poderá comer pão de não-judeus de padaria, caso esteja com muita fome, e não precisa esperar até encontrar pão feito por judeus. É indiferente se a pessoa está andando a pé, montada a cavalo ou dirigindo um carro. é esta distância que determina o que pode ser feito.
Como explicado acima, há diversos costumes e situações onde o Pat Palter é permitido, e por isso, nós avaliamos pães e biscoitos industrializados, para que os mesmos possam ser consumidos nas situações relevantes, sem que suspeitemos de outros problemas de Kashrut.
A lista amarela é muito mais difícil de ser elaborada. Para aprovar um produto para a lista verde, este precisa atender os mais altos padrões. Ao encontrar uma dificuldade o produto é imediatamente rejeitado para entrar na lista verde - mehadrin. Por outro lado, a lista amarela atende os padrões básicos da lei e exigem um conhecimento profundo de Halachá (Leis da Torá). Proibir é sempre muito fácil, qualquer dúvida é só dizer "não pode". Como dizem nossos Sábios z"l "Koach dehetera adifa" - Quem tem conhecimento suficiente para permitir algo, demonstra a sua grandeza.
Como bons filhos, que buscam fazer o melhor que podem ao seu pai, nós temos que buscar fazer o melhor ao nosso Pai. Como explicado, a lista amarela é o mínimo que Ele pede de nós: comer Kasher. Mas, com certeza cada um deve tentar oferecer a Ele o melhor que pode. Para isto há a lista verde, onde evitamos entrar em discussões e leniências. Por um lado, acabamos nos privando de certos alimentos, mas por outro, temos a satisfação de estar mostrando ao Criador que estamos dispostos a fazer por Ele o melhor.